Um Macaco Fonia

Agradecimento II: Ambição

Quando, finalmente, caio (despenco, na verdade) no sono, meus co-autores se revelam: há muito deles e muito pouco de mim aqui.
Acordo ainda em transe. Corro ao computador sem nem dar chance ao pipi (pertenço à seita que acredita que com a liberação dos fluidos a criatividade se esvai, por isso só escrevo de bexiga cheia).
A divisão do texto é sempre assim:
Início interessante, algumas vezes até brilhante: deles, dos sonhos.
No meio, começo a dar as minhas tímidas pinceladas. A relutância natural dos verdadeiros criadores é afogada pela minha consciência, cada vez mais clara, acordada pelo apito do microondas.
Pronto, ligaram a TV. Tento segura-los pelo rabo (alguns têm rabo, esquisito).
Tarde demais.
Odeiam coisas como rádio, TV, i-pods, essas bobagens. Agora é contigo, dizem, e me abandonam nessa angústia.
Releio o texto do começo.
Não reconheço quase nada do que foi escrito.
Volto para a cama.
Não adianta, não retornarão. Pelo menos não os mesmos. Se retornam, mudam os autores, transformam-se os estilos. Dormem Vitor Hugo, acordam James Joyce, uma loucura.
Não deve ser difícil, penso. Derramo palavras, milhares delas, no chão e vou tentando. Passo horas nesse desafio. Às vezes ouço risinhos de escárnio deles, vindo de algum ponto da casa.
Num dado momento, me encho. Tenho mais o que fazer da vida, tão ouvindo? Vocês, que começaram essa droga, que terminem.
Então vai assim mesmo:
Zac, zoc, zic, zac, zac, zoc... (onomatopéia triste, essa)
Pronto!
Dias, semanas após, visito novamente o texto. Olho para os lados, desconfiado.
Ninguém.
Assino. Meu, azar, ninguém tasca.


 
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