Breu
-As pessoas não gostam de chegar aqui e perceber que as revistas estão todas fora de ordem!
Ele era meu patrão e eu, o empregado. Por isso, não discutia. E, enquanto ia botando as revistinhas todas, uma por uma, em ordem, ia pensando:
Quem são essas pessoas?
Nenhuma pessoa (ou seja, “as pessoas” citadas pelo meu patrão) gosta de chegar aqui e perceber que as revistas estão todas fora de ordem?
Ou nenhuma pessoa gosta de chegar aqui, estejam as revistas todas em ordem ou não?
Ou as revistas, estando fora da ordem, o que não podem é ser percebidas como tal pelas pessoas que aqui vêm?
Outra coisa: já que as pessoas não gostam de chegar aqui e perceber que as revistas estão todas fora de ordem, gostariam então de perceber que apenas algumas revistas estão fora dessa ordem? Se sim, por quê?
E ainda: se as tais pessoas (ah, essas pessoas!) não gostam de chegar aqui e perceber que todas as revistas estão fora de ordem, poderíamos deixar as revistas fora de ordem mesmo, mas não deixar as pessoas chegarem até aqui.
Ainda arrumando as revistas, pois era um empregado não dado a discutir bobagens com patrões, pensava cá comigo:
Pode ser que, caso as pessoas (somente pessoas ou animais também? Ai, meu Deus, quanta dúvida!) não gostem de aqui chegar e perceber que as revistas todas estejam fora de ordem, talvez amem, adorem aqui chegar e perceber que as revistas estejam todas fora de ordem? Mas aí achava que talvez não, dada a carranca do patrão.
Uma dúvida era de todas a mais cruel: caso fosse mesmo verdade (como ele sabia de todos estes detalhes: entrevista, pesquisa de opinião?) que as pessoas não gostavam de chegar aqui e perceber que todas as revistas estavam fora de ordem, por que é que, inevitavelmente, ao sair, deixavam as revistas novamente assim, fora de ordem? Só hoje, mais sábio e calejado, é que percebo: não gostavam de perceber as revistas todas fora de ordem na chegada aqui. Na saída, era uma questão totalmente diferente.
Apesar das indagações que, dia após dia, assomavam-se na minha humilde cabecinha, fazia tudo direitinho: revistas em ordem, todas. Para que não pudessem, as pessoas, ao chegar ali...
Foi aí que me deu o estalo. O fim do enigma que, durante tantos anos arrumando aquele lugar, me perturbava (e, sem eu saber era responsável pela manutenção do meu angustiante emprego):
Catei todas as revistas e comecei a jogá-las da forma mais bagunçada possível por todos os lugares. Sorteadas, para reforçar a bagunça. Após o que, fui embora, orgulhoso, satisfeito.
No dia seguinte, o da demissão (justa causa, alegou o patrão), tentei explicar:
-Fiz como o senhor pediu: ao chegar aqui, as pessoas que não gostavam de perceber que todas as revistas estavam fora de ordem, ao vê-las assim, como as deixei, não apenas perceberiam. Teriam a certeza que estavam todas fora de ordem.
Mas era, como disse, ele o patrão e eu, o empregado. E como era ele o patrão, dessa forma só poderia haver um empregado, eu. Ou talvez, quem sabe...