Um Macaco Fonia

Duro de Roer

Desde o início da adolescência, Maneco manifestou um especial interesse pela anatomia. Não que pretendesse cursar Medicina ou qualquer outro curso da área da saúde. Seu empenho tinha um motivo particular: Inezinha, a filha do caseiro do sítio do seu avô. Nos finais de semana costumava levá-la para trás dos estábulos (que ao contrário do que possa parecer não são ossos do corpo humano) e, ali mesmo, deitados sobre montículos (também não são) de feno, discorria longamente a sua dialética esquelética. Mas tinha que ser tudo ali, não na ponta da língua, mas na ponta dos dedos:
- Essas daqui são as escápulas, os últimos ossos da parte de trás do corpo. Então se o sujeito não for pego pelas escápulas, consegue se livrar de ser agarrado. Daí a expressão: “escapuliu por pouco”.
Inezinha ficava atônita. Onde o Maneco aprendeu tanto?
- Aqui no teu joelhinho fica a rótula, que é onde ficam as informações sobre ano de fabricação, prazo de validade, etc.
- Ainda aqui na parte de trás da sua perninha está situada a fíbula, entre a cronícula e o romancíbulo. A fíbula é que nem história inventada.
Impressionante. Esse rapaz era mesmo um atlas anatômico ambulante! Enquanto isso, fingia não se incomodar com seus ágeis dedos a percorrê-la.
- Esse é o zigomático. Também chamado de malar, porque fica situado numa parte onde o ar às vezes não cheira lá muito bem. É o osso que orienta todo o corpo quando este se movimenta. É só o cérebro ligar no zigomático, que o corpo anda sozinho.
Sem perceber empecilhos, Maneco continuava a desfilar seus conhecimentos:
- Essa aqui é a falange, osso responsável pela risada sensual nas mulheres. Você sempre ouve falar que a mulher fica muito mais sexy se numa falange ri.
Inezinha suspirava sem saber se por causa do intelecto do moço ou se pelos avanços da mão boba.
- Esse outro chama-se rádio. Situa-se num espaço chamado ráqui, entre o déqui e o amplificador. Aqui está a ulna, um osso que se desgasta facilmente. Atualmente tem sido muito substituída pela ulna eletrônica.
E seguia, entusiasmado:
Aqui na unha está a clavícula, osso que só uma boa manicure deve por as mãos. Aqui atrás fica o ilíaco, dos versos famosos de um tal grego chamado Homero (Homero também conhecido por Úmero, outro osso. Mas esse é um mero coadjuvante, nem vale a pena localizar).
Nestas alturas, Inezinha já estava totalmente entregue. E o Maneco não perdia tempo. Partia para regiões mais recônditas:
- Nessa região fica o sesamóide, na entrada da caverna. Lembra da estória? Abre-te Sesamóide!
E, no auge do enlevo, partia para sua própria anatomia:
- Neste local aqui fica o sacro. Lá em Portugal as mulheres vivem gritando para os seus maridos: Joaquim, não sabes que não quero que cóccix o teu sacro o dia inteiro? Vais fazer algo de útil!
Mas para azar do Maneco, após tanta ostentação cultural, sempre acontecia que o pai da Inezinha desse por sua falta e pusesse a procurá-la aos berros.
Novamente Maneco acabava pagando o preço alto da sua erudição. De novo ficaria sem mostrar para ela aquele ossinho tão especial que mudava de tamanho quando ele se empolgava...


 
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