Um Macaco Fonia

O Fotógrafo do Apocalipse

Eu sou aquele.
Que descobriu o caminho marítimo para Ubatuba. Que cuspiu na cruz do bom ladrão. O biógrafo da esposa de Caim. Que gritou terra à vista por engano cinqüenta e seis vezes. Que embruteceu Brutus, que jurou Prometeu. O amor platônico de Sócrates. Contador do Jó.
O clandestino da arca de Noé. O surfista normando no dia D. O que achou que Salomão falava sério. Aquele. Que atropelou um cachorro judeu. O camareiro de Lee Oswald. Mané de Souza, irmão de Tomé. Quem pediu bis pro quatorze. O sparring de Bruce Lee.
O filho do dono da manjedoura. O companheiro de farra de Zebedeu. O que apagou a tocha. Reserva do filho do técnico. Convidado pro pontapé final. O escravo fugido no dia da Lei Áurea. O segundo da Maria Madalena. O amolador de flecha de Guilherme Tell. O voto vencido contra Barrabás.
Aquele. O que disse que da Vinci não ia dar pra coisa. Quem ensinou Baco a beber. O fiel à Lucrecia. Quem usou madeira da arca na fogueira. O dos doze trabalhos banais. Gari de Veneza. Quem achou que Mao era bonzinho. O médico que desenganou Matusalém. Amigo de Malcolm. O Y, não o X.
O que traduziu o lema Paz e Amor pro russo. Quem respondeu “Morte”, bem alto, às margens do Ipiranga. Aconselhou Camões a escrever prosa. Suplente do cavalo de Nero. O que pediu pro cavaquinho não chorar. O seminarista vizinho de Woodstock. O irmão feio de Narciso. Quem punha um olho na costela de Adão.
Aquele do qual todos tanto esperavam, o chamado às pressas, o que não apareceu. O que pediu autógrafo, mas estava sem caneta. O que perdeu a paciência, o que não teve pernas pra chegar.
Aquele mesmo.
O fotógrafo do apocalipse.


 
Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.