Um Macaco Fonia

Na Curva do Rio

Quando o pai adentrou a sala de espera, a família, que dava a impressão de haver se acalmado, ganhou novo ânimo. A sogra, como se a visão do genro a fizesse lembrar de coisas ruins, recomeçou a chorar.
-Vim o mais rápido que pude.
-Já faz duas horas que ele está lá dentro – aumentou a esposa, com a intenção de ampliar a culpa do pai pela demora.
-Mas ninguém entrou com ele? – indagou o pai, preocupado.
-O doutor não deixou. – resmungou a avó, mãe do pai. – Diz que é pior pra criança. Que se a gente entra, vai ficar fazendo cara de dor e aí, sim, é que ele vai ficar com medo.
-Não é possível! Você tem certeza, mãe? Não era só uma sujeira, um pedacinho de pipoca...
-Não – respondeu a mãe, derrotada. Tantos anos (cinco) de cuidados... A gestação inteira sonhando com sorvetes de maria-mole e corações de doce de abóbora! (Havia lido que a dieta da mãe na gravidez influencia o gosto da criança pela vida inteira. Resistiu bravamente). E para que? Sairia dali direto para a confeitaria mais próxima. E levaria o Chiquinho junto! É o que dá acreditar em tudo que se lê.
-O doutor mostrou no espelhinho. É cárie mesmo, e das grandes!
O pai estava inconsolável. Uma criança tão novinha... Se fosse no tempo dele, ainda. Chegava a passar dias sem passar perto de uma escova! Mas logo o seu Chiquinho!
-Como foi que vocês descobriram?
-Noutro dia, quando ele dava uma risada – disse a mãe – eu notei um pontinho preto. Em questão de dias, tava o maior buracão.
-Também não é tão ruim assim – interveio o tio, calmamente – Soube de muita criança que na idade dele já passou até por tratamento de...
Notou todos os olhares acusadores para cima dele. Emendou baixinho:
-...canal.
Abaixou a cabeça, envergonhado.
Abre-se a porta. Chiquinho emerge devagar, olhos semicerrados. Examina a família com certo ar de desdém, após o que fita o horizonte. É um novo quase-homem. Acabara de passar pelo seu ritual de iniciação. Um pouco cedo, é verdade. Ouve uma voz tênue, pesarosa, ao fundo, como se ele não estivesse ali:
-Extração...
A mãe, angustiada, corre para confortá-lo. Ao que Chico – apenas Chico, agora – recusa. Com a voz rouca, de quem segura o choro, comanda:
-Levem-me ao tal telhado das andorinhas.
O tio jura ter ouvido um:
-Rau!


 
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