Um Macaco Fonia

Pausa

Se você não está gostando do que está lendo aqui, não me culpe. Eu não tenho nada a ver com isso.
É verdade. Estou falando dele. O meu verdadeiro eu. Sim, porque eu já não tenho a menor idéia de quem ele (ou eu) seja.
Essa confusão começou no berço.
No relacionamento com a minha linda mamãe, que eu suspeitava claramente incestuoso, emergiram sérios conflitos entre meu ego em formação e meu id, já muito libidinoso. Pronto. Eu já não era mais o eu original.
A partir do meu primeiro ano de vida então, tudo piorou. Meu complexo edipiano era de tal complexidade, que meu pai, desconfiado, por via das dúvidas resolveu sumir com os alfinetes de fralda lá de casa.
O que se seguiu foi uma bola de neve de influências ambientais e hormonais que levou minha preciosa carga genética ladeira abaixo. Mas eu sobrevivi... Será mesmo? Quanto ainda há de só meu nessa lama gelada que restou?
Peraí. Quem falou em lama? Não estou dizendo? Eu aqui, no maior esforço auto-psicanalítico, tentando humildemente aliviar a minha barra, e já estão a jogar o meu pobre eu na lama...
Mas tudo bem. É assim mesmo quando o sujeito é desprovido de grandes qualidades. Eu mesmo sempre propus que me deixassem quieto. Que pulassem esta minha geração. Eu ia ficar ali, num cantinho, sem fazer muito barulho, somente elogiando as grandes realizações dos meus pais (exceto, é lógico, essa minha pobre pessoa) e dando uma tremenda força na labuta dos meus filhos e sobrinhos.
A idéia de início encontrou alguma relutância, mas nada como ser insistente. Após cerca de trinta anos tentando, finalmente perceberam que eu falava sério do alto do meu colchão de afundadas molas. Restava uma preocupação: tanta meditação e falta de exercício não teria desenrolado totalmente meu DNA? O que eu teria de aproveitável para passar para meus possíveis descendentes?
Eles é que pensavam que eu não me exercitava! Desde a pré-adolescência, na calada da noite e na lacônica das manhãs e tardes, eu agia de maneira totalmente instintiva, preocupado com as futuras gerações, dando conta de eliminar uma boa quantidade de duplas hélices, pelo menos umas três vezes ao dia. Era tanta dupla hélice que cogitei montar uma indústria de helicóptero. Então isso não era exercício? Pensando bem, acho que meus pais deviam desconfiar da coisa quando entravam no meu antro impregnado. Ou sabiam disso ou talvez suspeitassem que eu fosse um viciado em água sanitária.
Intrigante essa infalível intuição dos pais quanto ao futuro dos filhos. Meu pai vivia dizendo que eu tinha nascido para grandes realizações. E não deu outra. Desde que eu me conheço por gente (e às vezes me parece que só eu é que me conheço assim), em tudo que eu faço fazer sempre tem alguém pronto para comentar: “Grande coisa!”.


 
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