Tá No Céu
-O que?
-É o quarto ou quinto estabelecimento em que nós entramos.
-E...
-E em todos eles quem me atende me chama de senhor. “Pois não, senhor”, “E pro senhor, o que vai ser?”, “Alguém já atendeu o senhor?”.
-Sim, e daí?
-Daí que há, não sei, um ou dois anos atrás, praticamente ninguém me chamava assim.
-Sei. E você está se sentindo velho por causa disso...
-Não é essa a questão. Velhos todos nós estamos sempre ficando. O que me incomoda é não saber por que de uma hora para outra passei a merecer essa honraria. É alguma ruga nova na cara? É a clareira na testa que abriu de vez? São os meus gestos, a minha fala?
-Sei lá. Nunca pensei nisso. E olha que já faz alguns anos que só me tratam dessa forma.
-Aí é que está! Alguém começou a chamar o senhor de senhor, o senhor não reagiu, e pronto! Pegou. É que nem apelido.
-Viu só?
-Vi! É por isso que eu vou reagir. Não vou deixar que isso aconteça comigo!
-Não. Eu disse: viu só? Você me usou como exemplo já me chamando de senhor!
-Tem certeza? – perguntou por pura educação ou talvez para disfarçar o desconcerto. Era líquido e certo que o seu interlocutor cruzara, há muito tempo, a fronteira senhorial.
-Não só tenho certeza como não me incomodei nem um pouco com isso. Você (disse ele com cuidado, para não acabar chamando-o também de senhor) vai ver! Isso é uma enorme besteira. Quando você (deu uma entonação exagerada ao pronome) se der conta, todos estarão lhe tratando assim. E aí deixará de ser esse problema todo que você (este último saiu quase gritado) está fazendo. Vai por mim!
-É, pode ser... Respondeu o novo senhor desanimado, não querendo parecer infantil (logo ele, um senhor, não ficava bem).
Não prolongaria a discussão. Provavelmente teria que se conformar. Lembrou-se de alguns senhores que faziam papel ridículo tentando se fazer passar por pessoas jovens. Não com ele. Teria, enfim, maturidade para enfrentar a transição. Despediu-se do outro adotando uma postura já meio envergada, cabisbaixo com o repentino peso dos anos desabando em suas costas.