De Fábrica
-Aqui.
-Pronto. Este é o último de hoje. Embala.
-Espera.
-Que foi?
-Não tá faltando nada?
-Sulco, giro, sulco, giro, área... Não, tá tudo aqui.
-E a sutileza?
-Como?
-É, a região da sutileza, cadê?
-Não incluímos mais, já faz algum tempo.
-Como assim, não incluímos mais? Vamos mandar cérebros assim, toscos?
-A idéia nem foi nossa. Percebemos que esta região nos modelos masculinos das últimas décadas vinham se apagando, talvez pelo freqüente arrasto das orelhas nos tatames, não sabemos ao certo. Experimentamos então alguns modelos sem sutileza de fábrica. Foi um sucesso! Sem sutileza, sem senso crítico. Sem senso crítico, adoram e compram tudo o que vêem. As grandes corporações encamparam a idéia. Pensam até em pagar os altos royalties para fabricarem eles mesmos os seus próprios cérebros.
-Mas, e os cérebros femininos, como é que ficam?
-De início, nossa ouvidoria esquerda vivia vermelha, de reclamações femininas por terem elas que conviver com brutamontes insensíveis. Fomos progressivamente adaptando estes modelos, também. Apagamos a área na grande maioria, para que pudessem combinar. Interessante, nessas a tarefa não foi tão fácil, de início.
-Conseguiram?
-A área auditiva e o sulco visual borraram um pouco. Felizmente, cérebros têm uma grande capacidade adaptativa. Os próprios donos buscam, como compensação, imagens mais coloridas, ligam seus sons mais altos, acabam apreciando letras de músicas mais simples, algumas com não mais do que duas ou três palavras, o refrão virou a própria música, não é genial?
-Sei não...
-E depois, não se pode negar o avanço na estética: notou como as cabeças andam mais bonitas?
-Mais bonitas?
-É! Redondinhas.