Um Tanto A Mais
Pessoas como a Irene. Costuma se dizer que Irene não foi gerada. Foi exagerada. Porque desde onde a memória pode alcançar, talvez por algum tipo de carência ou mesmo por pura necessidade de chamar atenção, seus familiares habituaram-se a ouvir de sua boca certos exageros. Tudo para ela tem de ser propositalmente superestimado.
-Vocês viram quanto custa aquela geladeira nova da propaganda? Quase noventa mil!
-Noventa mil por uma geladeira, Irene! Tem certeza?
-Não tenho bem certeza se era noventa ou nove mil. Mas era alguma coisa assim.
Lógico que a precisão dos números acabam por não ter nenhuma importância. O que se desejava era o impacto da notícia.
-E o acidente na BR, mais de cem mortos!
-Cem mortos, Irene? O que foi esse acidente? Um avião caiu em cima de um trem?
Atenção recebida, começa a revisão na contabilidade:
-Não sei se foram cem mortos ou cem no total, contando os feridos. Mas tinha barulho de umas dez ambulâncias passando pelas redondezas da casa da Cinira, que fica perto da estrada.
Quando ia se ver, a coisa não era muito maior que o trivial choque entre dois carros com alguma gravidade, mas nada de proporções hecatômbicas que Irene tentava fazer parecer. E a criatividade de Irene não tem limites no que se refere ao não-convencional. Até quando suprime os números, a informação não deixa de ter caráter bombástico:
-Essa alcachofra que vocês estão comendo hoje é tão cara que ninguém na cidade pode comprar.
-Então espera – diz o marido, fingindo ares de preocupação. Nós mal tiramos umas cinco folinhas. Liga pro verdureiro e diz que nós vamos devolver.
Esse se tornou o maior problema com as invencionices da Irene. Com o passar de algum tempo suas histórias desandaram para o total descrédito, que descambaram para a ironia. Como quando o cunhado caiu da escada e ela se incumbiu de dar a notícia para o pessoal de casa:
-Quebrou-se todo. Parece que está na UTI.
-Diga lá, mãe, foi só uma unha quebrada, não foi?
Porém, isso não foi sempre assim. Anos atrás, o marido leu uma reportagem dizendo que todos esses exageros podiam ser um sintoma de psicose, de doença mesmo, que faz com que a pessoa perca a noção do que é realidade. Ligou para um psiquiatra, querendo saber se era caso para consultá-lo. Ele, então, após o resumo do caso, fez-lhe a pergunta definitiva:
-Mente a idade?
-Mente.
-Para cima ou para baixo?
-Para baixo.
Poupou-lhe a consulta.