À Francesa
- Para falar da Revolução Francesa, vamos ver...
Ainda não tive tempo de decorar a matéria. Vou ficar bem quietinha. Se bem que a Meiriele me disse que se a gente não quer ser chamada...
-... tem que fazer o contrário: ficar bem à mostra.
- O que foi, Maria Gorete?
- Nada, professora.
Eu e essa minha mania de falar em voz alta o que eu estou pensando... Espero que não seja tarde.
- Maria Gorete, aproveitando a deixa, você poderia vir aqui na frente nos explicar sobre a Revolução Francesa?
Ai, meu Deus. Me ferrei. Logo hoje, que eu estou quase menstruada! Vai ficar todo mundo de olho nos meus peitões. Não falei? Olha ali a cara do Luis Fernando. Parece peixe na feira. E a Cicinha, então. Sempre com esse sorriso na cara. Tá rindo de quê, ô bobona? Lógico, não foi você que...
-... foi chamada.
- O que é que tem a chamada?
- Não, nada. Bom, a Revolução Francesa. A Revolução Francesa foi um movimento...
Movimento do que, mesmo? De rebolado é que não foi. Movimento do povo contra o poder do regime. Regime, regime... Será que eu já perdi peso essa semana? Já deixei de comer dois sonhos de valsa. Andar já vai ser mais difícil, ando mesmo só é com uma tremenda preguiça. Se concentra, infeliz. Regime abso... Absotu... Absolutista. Isso aí...
- Absolutista!
- O que?
- Absolutista, o regime que o povo foi contra na Revolução. O rei...
José, Jair, João, Prometeu, Aguinaldo. Ô diabo, como é o nome do tal do rei? Joaquim, Januário. Acho que começa com D. Não, com L. Lucas, Luis. É isso!
- Luis ...
Dez, doze, dezenove, quatorze. Não, dezesseis.
- Luis XVI. O rei que o povo era contra. Os camponeses e o povo pobre da cidade se juntaram para derrubar o regime do Luis XVI. Baseados na filosofia iluminista.
Seja lá o que isso signifique. Vamos em frente. Será que eles estão percebendo o quanto eu estou nervosa? Tira o olho daqui, desgraçado. Tem o negócio da pastilha. Queda das pastilhas. Da Bastilha. É Bastilha, mesmo? Peraí, Castilha é o nome da avó da Crica. Que por sinal...
-... caiu na banheira.
- Quem caiu na banheira, Maria Gorete?
- Ninguém. Bastilha. A queda da Bastilha, 1978. Não, 1789.
Desgraçados. Todo mundo se matando de rir. Deixe estar, jacaré. A partir de hoje eu fico livre dessa droga de história nesse semestre. Aí é só sentar e dar risada. Espere a minha vez, Cicinha. Tira o olho, bobão.
- Com a queda da Bastilha, o povo tomou o poder da mão do rei absolutista, que governava em causa própria e de uma minoria.
Mandei bem nessa frase, nem eu sei de onde é que eu tirei isso. Tá faltando aquela coisa do culote. Por falar em culote, por que será que a Janete tá olhando para as minhas pernas? Será que tem alguma coisa errada? E o Tarciso, não para de olhar as horas. Ai, meu Jesus, que tortura isso. Será que a Joana D’Arc passou por isso...
- ...no tempo da Inquisição?
- Inquisição?
- Não. Eu quis dizer...
Quis dizer o que, como é que a Inquisição entrou agora nessa história? Ah, é. Joana D’Arc. Aonde é que eu estava mesmo? Bastilha. Não, culote. Sans-Culotte. Isso.
- Sans-culotte. Os pobres das cidades francesas. Ajudaram a tomar o poder. Foi então que criaram a Declaração dos Direitos do Homem, que marcou o início da idade contemporânea. Tira o olho!
- Como?
- Nada ! E viveram felizes para sempre.
Ai, ai. Que porcaria é essa? Felizes para sempre é coisa de novela. Pode rir, pessoal. Pelo menos a professora... O que, também tá rindo? Aí já é demais. Será que ela não sabe que é contra os direitos do homem? Vou falar com o pai. Vou processar. A não ser que ela me dê uma boa nota.
- Um nove já está bom.
O que? Quem falou isso? Fui eu ou foi ela?
- O que você acha, Maria Gorete?
- Hein? Nove? Tá ótimo.
- Que nove? Quem falou em nove? Perguntei para você o que você acha que modificou após a Revolução no regime feudal existente na época?
Ai, meu Deus, não acabou essa tortura? Como é que eu vou saber isso? Quando é que esse sinal vai tocar? Pára de rir, ô bobona. Tira o olho, seu tarado! Vou processar! Vou processar...