Um Macaco Fonia

Da Vida Cruel

Em parte pela distância, em parte devido ao fato de estar sem seus óculos, Pedro não conseguia definir se a luz verde que via pela janela do quarto em que estava sentado era ou não proveniente de um semáforo. Apenas supôs, pelo fato do brilho vir do meio da rua, de onde se ouviam carros passando a toda velocidade. Esticou-se, apoiado nos sólidos braços recurvados da poltrona, aguardando que a luz se transformasse primeiro no amarelo e depois no vermelho, quando então teria certeza: tratava-se de um semáforo.
Longos minutos se passaram. E nada. Permanecia ali a luzinha verde, impassível. Pedro continuava na dúvida. Havia semáforos em que o sinal verde demorava a se fechar, talvez este fosse um deles, mas será?
Uma hora se passou. E mais uma, duas, três horas. Enquanto o sinal não mudava de cor, Pedro permanecia na sua angustiante incerteza. Várias vezes decidiu que pronto, que não agüentava mais, não devia mesmo ser um semáforo. Mas, ao ameaçar o definitivo mergulho no conforto da poltrona, pensava: e se for agora? Já esperei tanto... Esse sinal há de mudar, e aí terei sido derrotado pela falta de persistência. Vou esperar, só mais um pouquinho.
Pedro, a terceira vítima fatal da luz verde do estacionamento da Rua Augusta será enterrado hoje, no cemitério da Luz Divina, às quatorze horas e trinta minutos.


 
Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.