Um Macaco Fonia

Extinto

Um glu veio dar na praia.
A menina, que percorria aquela faixa de areia a procura de conchinhas todos os dias, reparou naquela criatura meio morta, mas ainda respirando.
Levou para casa.
Não contou a ninguém. Temia que a mãe, que detestava animais dentro de casa, não fosse deixar.
Providenciou caminha com uma caixa de sapato embaixo da cama. Só precisava mudar de lugar uma vez por semana, no dia da faxina. Dava de comer duas vezes por dia. Comia de tudo, aquela coisa: folha de alface, queijo, biscoito. Até barrinha de cereal.
Viraram companheiros quase inseparáveis. Só não eram mais grudados porque em situações de família reunida ela não se atrevia a mostrar o pequeno amigo.
Quando estavam no quarto, porém, ela retirava o bichano da caixa com cuidado, dava banho, secava com secador aquela bola de pêlo que constituía a quase totalidade de um glu adulto. Mais: cantava para ele, fingia que dava aula. Enfim, fazia tudo que uma menina faz com seu bicho de estimação.
Não havia melhor companhia para uma menina.
Até que a menina cresceu.
A partir daí, todos os dias na hora do banho, a agora mocinha percebia certa inquietação dentro da caixa.
Ficava a criatura atenta aos menores movimentos da dona. Aqueles olhos de peixe morto – embora um glu não fosse um habitante das águas – a fitá-la sem disfarçar o interesse.
E ela, que quando pequena apreciava a vigília, subitamente começou a ficar incomodada. Chegou a fechar o pequeno glu na gaveta da cômoda ao vestir a calcinha. Quando o retirou, no entanto, o bichano mostrava-se terrivelmente azulado, assustado. Nunca havia sido aprisionado anteriormente.
Aprendeu a fingir. Virava de lado, mas olhava de canto de olho agora. O que só fez o mal-estar aumentar.
A relação ficou estremecida. A moça não sabia o que pensar. Não havia outros glus para comparar comportamentos. Estaria ela convivendo com um glu tarado?
Precisava esclarecer. Chamou a melhor amiga para dormir na sua casa. Certificou-se de que o glu já estivesse na caixa, pois se recolhia cedo.
Na manhã seguinte, enquanto a moça ainda dormia, a amiga, ao se abaixar para calçar os tênis, soltou um grito desesperado.
Lá estava ele encolhido, enrolado dentro do tênis da visita, dormindo tranquilamente.
Pedólatra, o desgraçado, pensou a moça.
Confundido com um rato, passado o susto, não mereceu maiores atenções por parte da amiga. A dona, contudo, levou a pequena besta para um passeio inesperado.
Na praia, na mesma praia onde tudo iniciara, a moça certificou-se de que estavam sozinhos. Retirou-o calmamente da caixa e, avançando lentamente em direção ao mar, subitamente mergulhou a criatura, segurando o frágil corpinho peludo, que já adivinhava o pior. As perninhas se agitaram por alguns minutos, frenéticas, até que uma grande e única bolha se desprendeu das águas:
“Glú!!”
Foi o último glu de que se teve notícia.


 
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