Um Macaco Fonia

Má Escolha

Na convenção do partido, buscam-se os nomes para compor a chapa. O vice, engraçadinho, com a sua cômoda posição já garantida, não acha nada melhor para fazer do que disparar os seus famosos gracejos. Diz o prefeito:
-Para a pasta da educação, queremos alguém com a cultura do Juvenal e a seriedade do Sarmento.
-Ou seja, algo assim como um jumento – arremata baixinho o vice.
Risos. Alguns de forma aberta, outros meio constrangidos.
-Já na agricultura, o ideal seria alguém com o tino comercial do Sena e o gosto pela terra do Mourão.
-Um verdadeiro “Senourão”! – dispara o vice, ele mesmo não contendo o riso.
-Para a saúde, uma pessoa com a sensibilidade do Dorival e a presteza do Godói.
-Um dodói, diz o vice, agora conquistando a parte mais séria da platéia, mas irritando profundamente o prefeito, que tenta manter a compostura.
-Na economia, devíamos pôr uma mente brilhante como a do Salomão, mas que entenda de assuntos externos como o Biafra.
-Um autêntico “Salafra”, manda o vice, com o tom de voz cada vez mais alto e fazendo força para não cair na gargalhada, assim como muitos membros do partido.
Pronto. Mais uma vez a convenção se transformava numa verdadeira bagunça. Não fosse o vice alguém de costas tão largas, genro do dono do jornaleco da cidade, teria sido expulso sumariamente do recinto. O prefeito, porém, insistia:
-Para as obras públicas, devemos juntar a honradez do Carlinhos com a astúcia do Ramalho.
E o vice, quase se arrebentando de tanto rir, cuspindo nos vizinhos partidários, grita:
-Essa eu me abstenho de juntar! Rá, rá, rá.
Assim não era possível continuar. A imprensa toda presente (um repórter e um estafeta) estava registrando todo esse absurdo. Para a oposição, o prato já estava transbordando de cheio. Agora nada mais restava ao prefeito do que tentar aprender a fórmula. Esperou que a poeira baixasse, ergueu a voz o máximo que pôde e disse:
-No cargo de vice, como os senhores todos já sabem, temos aqui ao meu lado o filho da querida Noêmia, conhecida por todos, que sempre foi uma bela mistura de PUREZA e espírito de LUTA!
O vice, no embalo da festa, já ia juntando os pedaços sem se dar conta:
-Uma grandessíssima...
E, subitamente, sério como nunca ninguém o via:
-Ei, ninguém aí vai me trazer aquela garrafa d’água?


 
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