Conjugais
Subitamente dera conta do que acontecera. Seu dia estivera todo no pretérito mais-que-perfeito! Logo ele, que nunca fora nada próximo da perfeição... Pânico o acometera. O que sucedera? Alguma travada no Word divino? Pensara então nos seus possíveis inimigos... Houvera algum desentendimento recente? Cometera ele algum tremendo deslize no seu ambiente de trabalho? Estivera sendo vítima de algum maligno vodu? Malograra na busca de respostas. Tentara de todas as formas a transformação: correra pela casa, batera panelas escandalosamente, abrira torneiras, pulara num só pé, gritara como um insano. Nada funcionara. Cada ação sua o jogara mais e mais nas profundezas desse até então desconhecido tormento. Nunca pensara que um tempo verbal possuíra tamanha importância na sua vida. Que insuportável aflição!
Como já se esperara, fora tomado de um desvairado impulso suicida. Afinal, quem já ouvira tão desbragada sandice? Rabiscara apressadamente um bilhete de despedida, prendera uma corda cuidadosamente no gancho do vaso da samambaia, confirmara a firmeza da engenhoca, e só então subira no banquinho da sala. Contara até três. Segurara a respiração na antecipação do crítico momento...
Porém, no segundo fatal, sua esposa adentrara a casa. Um ressonante grito de pavor evitara o pior. Recompusera-se.
Permanecera, no entanto, a angústia.
Abraçaram-se demoradamente. Depois choraram. Conversaram a respeito do problema, e concordaram que fora um pesadelo terrível. Só então perceberam que, acidentalmente, se depararam com a própria solução: a chegada da sua mulher transformara inesperadamente a ambos na terceira pessoa do plural. E então, dessa maneira, automaticamente se habilitaram também ao pretérito perfeito, em que coincidiam as conjugações. Pularam de alegria, brindaram aos berros, beberam vinho pelo resto do dia. Só então dormiram. Estavam definitivamente salvos.
Nunca mais se largaram. Viveram (!) felizes para sempre.