Um Macaco Fonia

Alçapão

Chega meio intimidado. O ambiente não é novo, só como se fosse. O sentimento é misto de vergonha e culpa.
Localiza o padre pela igreja vazia. Este, receptivo, indaga:
-Então faz tempo que o senhor não põe os pés na nossa santa igreja?
-Igreja nenhuma, padre.
-Claro, claro. Quanto tempo, exatamente?
-Uns vinte e sete anos, mais ou menos.
-Vinte e sete? – assusta-se o padre.
-É, mais ou menos – minimiza o mau cristão, escondendo o jogo. Bem contadinho, devia chegar a mais de trinta.
-Sei. E agora, com a nova lei, precisa se confessar?
-É... – reconhece, cabisbaixo. -O senhor sabe, pra tirar carteira de motorista agora precisa, né?
-Tivemos que fazê-lo, tivemos que fazê-lo... – repete o padre, agora ele mesmo reticente e sentindo-se culpado. -Sabe como é, isso aqui andava as moscas, com o perdão da má palavra.
-Huhum.
-E a Santa Eucaristia, meu filho, há quanto tempo não recebe?
-Santa o quê?
-A hóstia, filho, a hóstia.
-A hóstia... – finge tentar lembrar de quando a recebeu. Teria sido enviada pelo correio?
O padre percebendo a ignorância, esclarece:
-Aquela casquinha de wafer!
-Ah. Sei, sei. Não lembro.
-Mas o senhor foi crismado, claro?
-Crismado? – encolheu-se. Pensou que se tratasse de algo parecido com a circuncisão.
-É, crismado. Confirmou o batismo?
-Batismo? Acho que não confirmei, não. Respondeu, meio tonto com tanta palavra nova, pensando se não devia ir para o trabalho de bicicleta.
-O primeiro sacramento – explica o padre, com os olhos voltados para os céus.
-Sacrilégio?
O padre se benze:
-Não, sacramento, sacramento! – tentando inutilmente não alterar o tom de voz.
-Ah, acho que também não.
O padre, então, passando mal ao ouvir tanta infâmia, pede:
-Filho, por favor, me aguarda um pouco que eu já venho. Enquanto isso, vê se pensa nos seus pecados destes anos todos, ali, no confessionário.
-Que fica aonde exatamente, padre? – pergunta, tentando se encaminhar para algum lado, o ímpio cristão.
-Atrás da estátua da Virgem Santa – indica o padre, sem despregar os olhos dos céus.
-Virgem Santa? – procura, o aflito herege.
O padre, desesperado, solta um grito:
-Quanta ignorância, meu Deus!
O pecador, num sobressalto olha para os lados, procurando.
-Deus?


 
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