Um Macaco Fonia

Esporte Brutão

O novo esporte é muito simples. Onze jogadores para cada lado. Muitos desses onze não precisam nem ser realmente jogadores. Podem ser arregimentadas pessoas mais qualificadas para serem bancários, advogados, técnicos em computação ou, o que é mais freqüente, que não tenham vocação para mais nada. O que importa é que caibam nas camisas dos seus times sem grande dificuldade. Entalou, nada feito. Um dos jogadores é o goleiro, que deverá ter o seu equilíbrio emocional avaliado. Caso seja considerado saudável emocionalmente, outro jogador deverá ser escolhido para a posição. Para os jogadores restantes, pede-se apenas que evitem manifestações exageradas de amizade com os participantes do time adversário, o que pode levantar suspeitas. Para os do mesmo time a coisa é diferente. Porém convém ao bom senso evitar a retirada de mais de cinco peças de roupa na comemoração do gol (incluídos todos os jogadores do bolo, bem entendido).
Um dos participantes deve estar vestido de preto. Como alternativa, de cor de rosa com bolinhas azuis em degradê e rendilhado na cintura. Este é o responsável pela manutenção da disciplina e pelo cumprimento das regras. Se bem que há estudos em andamento mostrando que o evento transcorre muito melhor na sua ausência. Não importa. Condição sine qua non (vide glossário) é que a sua genitora seja famosa por manter conduta ilibada (vide glossário novamente). Será sempre auxiliado por mais dois profissionais vestidos no mesmo modelito, cada qual com sua bandeira de cores diferentes. Muito embora possam mostrar nítida preferência pelo time do lado contrário, as bandeiras não devem estampar preferências clubísticas de forma descarada.
Empresários devem ficar ao lado das quatro linhas, tratando de negociar os jogadores para outro time a cada gol surgido. Porém, para o bom andamento do espetáculo, a troca só deverá ser realizada após o término das partidas. A preferência deve ser dada a times rivais da mesma competição.
Quanto à freqüência das torcidas, estas deverão ser terminantemente proibidas de participar diretamente do espetáculo. Exceção feita aos empresários já mencionados (que poderão ocupar até metade dos lugares existentes), dirigentes e seus amigos e familiares (que nesse caso são a mesma coisa), e cerca de dez a vinte desocupados para cada time. A única exigência para estes últimos é que gritem e pulem, fazendo caretas a cada lance do jogo, e que a cada quarto de partida virem em direção ao campo para se certificarem de que o jogo não acabou.
Por algum motivo já esquecido no tempo, o campo deve ser da cor verde. A proporção de areia, terra, estrume, cachorros e quero-queros não deve ultrapassar cinqüenta por cento da sua extensão. Alguma deformidade de superfície, porém, deve ser assegurada para servir como segunda desculpa-padrão (desculpas-padrão: vide anexo, 4º. Parágrafo, alínea c).
Ah, e a bola. Já íamos esquecendo da bola. Apesar de não possuir formato adequado para esta prática desportiva, insistimos em mantê-la assim. Continuamos dessa forma com a esperança de que um dia a maioria dos participantes saibam o que fazer com ela. Até lá é continuar endeusando a meia-dúzia que aprendeu a usá-la.
A transmissão ficará a cargo das TVs pagas (cabos e satélites), que cobrarão a módica importância de até 3 vezes o valor da mensalidade da referida TV. Além disso, poderão auferir grande parte da propaganda das placas e camisas, além de incluir durante a transmissão tantas propagandas quanto forem necessárias. Sabemos que o montante arrecadado é pequeno, mas outras sutis formas de merchandising estão sendo criadas...
As entrevistas com os jogadores devem incluir assuntos mais palpitantes para o telespectador, como por exemplo a movimentação da bolsa de valores, física quântica ou psicologia aplicada. O áudio deverá ser imediatamente cortado caso se pronunciem as palavras : grupo, unido, professor, “ tadeparabéns”, tudo e faremos (em qualquer ordem).
As regras do jogo: avança-se com a pelota (bola, na intimidade), evitando os adversários, até que se consiga introduzi-la no gol. Pronto. Só isso. É verdade! É só isso mesmo! O que, não gostou? Está bem, então é o seguinte: no clássico esquema 4:4:2 os alas avançam alternadamente, enquanto o médio-volante sobe ocasionalmente não descuidando da cobertura à zaga. Já no 4:3:3, mais ousado, o quarto-zagueiro blá, blá, blá...


 
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